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Auschwitz, até quando?*

Um leitor me perguntou o que penso das escolas cívico-militares - um modelo escolar que se dissemina por Santa Catarina, pelo Paraná, por São Paulo. Vou responder do modo mais claro possível. As escolas cívico-militares são laboratórios de propagação do fascismo. * * * Explico. O que caracteriza o fascismo na Educação não está exatamente no conteúdo curricular explícito; está no currículo oculto. Uma escola cuja prática seja toda voltada ao adestramento de corpos e mentes; que ensine a obediência à autoridade (e pior: a obediência à autoridade militar); que não incentive a literatura, a Filosofia e as artes; que desencoraje o pensamento crítico - essa escola contribui para a propagação do fascismo. As escolas cívico-militares são instituições fascistas - e essa afirmação dura não é exagero retórico. * * * Estou com Adorno: o primeiro objetivo de toda a Educação deve ser o de impedir que Auschwitz aconteça - Auschwitz entendida como a barbárie, como a perda da sensibilid...
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Mais um**

Sinta a maciez no contato físico das mãos e dedos sobre o papel agradável de cada folha, nas páginas do mais recente livro de Hélio Strassburger. Um convite às sensações, Filosofia Clínica e Literatura: Conversações oferece, como submodo, um percepcionar. Em direção às ideias complexas, imagino esse livro sendo lido, no toque, em braile, pelos dedos de um leitor desprovido da visão física dos olhos. Um livro de sinônimos. Se “sinônimo de amor é amar”, conforme música de Cláudio Noam e parceiros, sinônimo de sensações é ler! A leitura do trecho em que o autor diz que “É possível exercer uma atividade dessa natureza [papel existencial] mesmo ao distorcer a expressividade.”, causou um estranhamento e fez pensar na palavra “expressividade”. Ao continuar a leitura, tive minha compreensão do termo como tradução de singularidade. Daí a intuição de que esse texto do Hélio (não apenas esse) é um livro de sinônimos. Sinônimos como tradução, outro submodo bem característico nas obras deste autor....

El ángulo de las perplejidades***

Uno de estos días vi una reseña, de esas que sigues pensando en la representación de la que partió. La persona dijo: “ese nombre extraño: Filosofía Clínica, no me suena bien”. A partir de entonces, surgieron algunas notas sobre este lugar donde la gente dice lo que dice, incluso cuando cree saber lo que sabe. El precepto socrático: “Solo sé que no sé nada”, ofrece una pista de aprendiz para vivir con la dialéctica de las originalidades. Tienen una fuente única de rituales y dialectos, inaccesible al contacto superficial. Su expresión suele tener un sentido obtuso, una lectura alejada de su origen. A un punto de vista excepcional le gusta ser inesperado. Le toca al sujeto moverse para ser el protagonista con la amplitud inconmensurable de cada medida; aun así, su aspecto de incomprendido sigue deconstruyendo convicciones. Una descripción de esta naturaleza precursora parece elegir a quién revelar su óptica. Las medallas, las condecoraciones, los títulos no son suficientes para justifica...

O ser terapeuta*

Dentro da formação em filosofia clínica, a questão sobre conhecimento teórico é de pouca monta, pois não há teorias sobre o ser humano, sua natureza, o bem ou mal viver, a “normalidade” ou doenças mentais ou o que quer que seja. Mas então, o que se estuda na formação em filosofia clínica? Duas coisas: 1) a metodologia, que é composta de três eixos, sendo exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos. Esses eixos têm termos técnicos para a compreensão da singularidade que se apresenta na terapia com a filosofia clínica, mas essa compreensão não é valorativa, normativa ou prescritiva. É uma compreensão descritiva daquilo que aparece, e o que aparece, é. Portanto, fora os termos técnicos de cada eixo, que cada um deles pode ser resumido, para uma boa compreensão em duas ou três linhas, o que mais se estuda na formação? Aí vem o 2) ser terapeuta. Este, como certeza, um tema infindável a partir do momento que o postulante à formação quer ser terapeuta em filosofia clínica. Não ...

Considerações de um filósofo clínico*

Antes da estreia de “Divertida Mente 2” escutei alguns partilhantes falando sobre si baseados no primeiro filme. Usando-o como um vice-conceito. Resolvi assistir o lançamento do segundo filme no intuito de estar próximo da semiose. Aquilo que será narrado a partir de agora acontecerá como uma reflexão filosófica de um terapeuta, formado em filosofia, que usa como metodologia, para mediar seu relacionamento em terapia, a filosofia clínica. Logo prevalecerá o pensamento daquele que durante as horas de trabalho, e fora delas também, veste o papel existencial de filósofo clínico. O longa-metragem apresenta uma personagem chamada Riley Andersen. A narrativa se divide em acontecimentos apresentados simultaneamente, na relação entre o mundo exterior e interior. Uma é o cotidiano dessa personagem, a outra é como as emoções dialogam em sua mente, a medida em que vive. Nesta representação mental as emoções alegria, tristeza, medo, raiva, vergonha, tédio etc. são personificadas. A curiosidade...

Pessoas & Cidades*

Como se conhece uma cidade? Existem vários métodos. Alguns turistas preferem aquelas excursões onde visitam cinco países em dez dias. Entram em um ônibus confortável com ar refrigerado, guia local, cafezinho a bordo e fazem um city tour de três horas. Tiram fotos, selfies, compram lembrancinhas nos principais pontos turísticos e postam em suas redes sociais. Outros optam por permanecer mais tempo na cidade, visitam parques, museus, restaurantes, conversam com pessoas. Dependendo da duração da estadia, aprendem a se locomover de metrô ou ônibus, fazem compras em lugares mais baratos, alimentam-se em restaurantes não turísticos, não erram tantos caminhos e até mesmo formam amizades genuínas com cidadãos locais. Começam a ter intimidade com a cidade, salvando-se do isolamento dos forasteiros. Mesmo assim, ainda falta muito para se conhecer uma cidade. Sua história, projetos para o futuro, rede elétrica, viária, pluvial, educacional, religiosa, financeira, sistema de saúde, governantes, ar...

Um senso de absurdo excepcional***

Uma fenomenologia da leitura vincula-se a filosofia clínica em um convívio entre realidade e ficção. As vivências entre uma e outra, descritas nas práticas de leitura e eventos da hora-sessão, conjugam ingredientes de raridade ao borogodó para papéis existenciais como: leitor e filósofo clínico. Ao pensar com a ajuda de Alberto Manguel, onde este discorre sobre sua relação com Jorge Luis Borges em Buenos Aires, quando aquele ainda era um livreiro do qual este se socorria para acessar as novidades literárias na capital Argentina. Em seu texto Com Borges , Manguel descreve vivências onde a interseção acontecia através dos livros. O autor indica: “Para Borges, o âmago da realidade estava nos livros: em ler livros, escrever livros, conversar sobre livros.” (Com Borges, 2022. Pág. 29). Assim os termos agendados no intelecto servem como uma interlocução onde os envolvidos estabeleçam uma conexão pelas palavras, seus múltiplos sentidos e derivações. Com isso uma adição de pontos de vi...

Leituras Clínicas*

“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                                         Hélio Strassburger      O trecho citado está na obra “A palavra fora de si”. Ed. Multifoco/RJ. 2017, do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, a...

A escuta e o mundo*

As vezes contamos histórias para esquecê-las enquanto quem ouve se comove e as leva consigo para partilhá-las noutros lugares. Os desabafos podem nos deixar mais leves ao mesmo tempo em que complementa lacunas de quem já aprendeu a ouvir. A escuta pode libertar ao ponto de aprendermos a desapegar do que passou, deixando partir em paz o que não faz mais sentido. Pois, só é dolorosa qualquer partida quando ainda não se compreendeu que nada é para sempre, sobretudo, quando se trata do efêmero. Ou seja, se podemos tocar, lembrar ou sentir significa que é finito e que durará somente o suficiente para ecoar e seguir adiante se transformando. Por isso, as histórias sempre serão tão importantes seja para quem as esqueceu seja para quem as recebeu para aprender mais uma nova forma de enxergar o seu mundo ou de lidar com as próprias emoções. Enfim, as vezes a palavra é o nosso melhor remédio, outras vezes é o único. Musa! *Prof. Dr. Pablo Mendes Filósofo. Analista de sistemas. Mestre e Doutor em...

Atípicos*

A crescente onda de diagnósticos e da busca pela conscientização da ideia da presença de inúmeros "atípicos" na sociedade tem mostrado algo a se refletir: talvez, ninguém seja realmente "normal". Os diagnósticos de "transtornos", "síndromes" ou "doenças" mentais ou físicas têm servido para justificar a dificuldade de pessoas para se "enquadrar" entre os "normais". O problema consiste em justamente não haver a percepção de que essa "normalidade" não está em lugar ou em pessoa nenhuma. Trata-se de critérios abstratos, noções ideais sobre características de alguém "normal". Se quase metade da população possui alguma característica que a distingue desse ideal de normalidade, não seriam esses aspectos "normais" na humanidade? Não no sentido de uma normalidade "etérea", descolada da vida. Trata-se, antes, da constatação de que, no fundo (e nem tão fundo assim), cada pessoa é singular...

Olhos adiante*

  “...minha vontade não enfraqueceu por eu não mais consentir em me deixar guiar por fantasmas; por só amar a realidade.” André Gide Minha flor, os olhos em [dor]... minha fonte de inspiração, os olhos além de ver é uma precisão do relógio esquecido. Meus olhos sentem. Ontem a vi em minhas entranhas, meditação e comida, a presunção da inocência morre na fome e na enseada, onde o corpo desaparece, e mais absurda existência, estás coladinha ao sol, mesmo assim, cá estou, diante do texto, entregue aos teus pés, Madame. Tua alma tem cheiro, que vem das pernas, do hálito salgado da dor, e meus olhos lacrimejam, minha dor é vista lá de cima da Bretanha, dá volta ao mar, e tua boca entreabre, círculo das falas, perfura o solitário coração, um desejo de fugir do país. Eis que me encontro − entre a cruz e o lajeado − percorro o deserto do Pampa, mais um ato melancólico. O que existe ante do Nada – o espaço-tempo – em tuas vestes de fugitiva? Minha juventude se perdeu no mundo que en...

Unanimidade científica?*

Amigos, não existe “a posição da ciência”. Como mostraram Bachelard, Kuhn, Feyerabend e muitos outros depois deles, a idéia de uma posição unitária da ciência não passa de uma idealização, de uma sinédoque, de uma personificação. "A ciência" não afirma nada; "a ciência" não sustenta posição nenhuma. Quem afirma, quem sustenta as suas posições, são "os cientistas" e "os grupos de pesquisa". E eles não afirmam nada em uníssono, eles não pensam em bloco: não existe unanimidade em nenhum campo científico. Como diz Feyerabend em "Ambiguità e armonia: lezioni trentine", "o monstro 'ciência' que fala com uma única voz é uma colagem feita por propagandistas, reducionistas e educadores. Dizer que 'somos obrigados a tomar a ciência como guia em questões relacionadas à realidade' não é só errado – é um conselho que não faz sentido". Afinal, em todos os ramos da investigação científica – na física, na biologia, na sociolog...

Criticidade e Literatura***

Nem a gripe que me pegou de jeito esses dias abalou a vontade de dividir com vocês um pouco da relíquia que tenho em mãos... Ganhei de um amigo recente, o jornalista e escritor Celso Viola, um dos editores da Revista, a Edição 1, Maio de 2012, da ALEF, Revista de Literatura Ibero-americana, que traz esse nome em homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Já no Editorial (ALEF ao leitor), deixa claro a que veio: para aproximar produtores culturais, de línguas e culturas diversas, irmanados pela resistência ao predomínio monetário, cultural e ideológico.     Minha alegria não poderia ser maior ao saber que foi gestada em minha cidade natal, Gramado / RS.     Mesmo enfermo, o pensamento crítico ainda vive e no que depender de mim e de outros tantos que tenho encontrado pelo caminho, seguirá pulsando...   Tem um artigo interessantíssimo sobre as bases do modernismo em Portugal, que faz integrar dois brasileiros à Geração Orpheu, citados pelo próprio Fer...

Esquizofrenia?*

" O que quero enfatizar agora, desde o início, é que a alegação de que algumas pessoas têm uma doença chamada esquizofrenia (enquanto outras supostamente não têm) foi baseada apenas na autoridade médica e não em qualquer descoberta médica; que foi, em outras palavras, resultado de uma decisão política e ética e não de um trabalho empírico ou científico." Thomas Szasz.  Esquizofrenia: el símbolo sagrado de la psiquiatria .  p. 13 Os comportamentos humanos podem ser considerados normais ou anormais somente em referência a algum padrão. E isso não é novo. Os primeiros estabelecimentos de reclusão ou confinamento de pessoas “anormais” vêm antes do século XV e essa prática de avaliação de anormalidade muito antes desse tempo.  No entanto, as explicações sobre esses comportamentos podem ser de várias áreas tais como sociais, antropológicas, éticas, políticas etc., mas não médica. A não ser que esta pessoa tenha uma lesão no cérebro onde diretamente esteja afetada suas condições...

Obra de arte e juízos de valor*

A arte é uma forma de expressão do ser do artista. Toda expressão pode ser um desabafar ou um desejo de comunicação, ou ambas as coisas. Quem vê ou lê uma obra de arte, entra no diálogo que a obra lança ou se fecha diante dela fazendo um julgamento de valor. Sempre uma obra nos afeta. Quando positivamente ela expressa uma comunicação de alma para alma. Quando negativamente ela ativa nossa sombra, ela nos mostra o que não queremos ver. Na realidade o que vemos nos vê. O mundo é representação nossa. Quem diz gostar e não gostar está a falar de si mesmo e não da obra de arte em si. Quando diz gostar é porque a arte a afetou na essência, há uma compreensão inconsciente da intenção velada do artista, há uma sinergia e harmonia na relação. Quando se diz não gostar é porque a obra mexeu com a sombra, ativou um conflito velado, incomodou e criou um conflito e uma defesa. Colocar um ponto final através do julgamento é reduzir a obra, logo a ler apenas na superficialidade para não tomar consciên...

Descrituras****

"(...) Deram-me esta bela gravata... como um presente de desaniversário! (...) o que é um presente de desaniversário ? – Um presente oferecido quando não é seu aniversário, naturalmente.”                                                                              Lewis Carroll   Uma redação se faz página cotidiana na vida de qualquer pessoa, quer ela entenda ou não. Algo que restaria esquecido, não fora a ousadia semiótica a tentar decifrar essa trama de códigos imperfeitos. Por esse esboço a lógica descritura se incompleta para prosseguir inconclusa, aberta, viva. Nem sempre se escolhe escrever, muitas vezes são...