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Postagens

Doença*

Em sentido direto, o conceito de doença não pode ser usado na pedagogia. Um pedagogo ou pedagoga não pode considerar um aluno ou aluna “doente”. Um advogado não usa o conceito de doença em sua linguagem de trabalho para definir seus clientes. Um engenheiro não se dirige a uma estrutura material de uma construção como “doente”. Um economista não pode avaliar um sistema econômico de “doente”. Um filósofo não usa este termo como avaliação moral de um sistema político ou moral. A sociologia não pode usar como se fosse de seu vocabulário técnico a palavra “doente”. Um matemático não avalia uma equação através do conceito de “doença”. Enfim, o termo “doença” é estritamente médico e todos os seus usos fora deste âmbito são metafóricos. Leonidas Hegenberg, em seu livro “Doença: um estudo filosófico”, escreve que medicina designa a ciência e a arte de diagnosticar, tratar, curar e prevenir a doença, aliviando  a dor e melhorando ou preservando a saúde; e também, o ramo de tal ciência ou art...
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Nem tudo que reluz é ouro*

Certo dia, conversando com um amigo, médico esteta, dividimos um impasse sobre a mulher gostosa de verdade. Foi um “bate boca” danado porque ele insistia em dizer que remodelava e reformava os corpos de suas clientes e elas ficavam mais gostosas. Éramos cinco na mesa do almoço, Paulo o esteta, Ricardo o cirurgião plástico, Ibraim um clinico holístico, Carla uma dentista reabilitadora e eu, terapeuta de mulheres. Turminha da pesada contando casos interessantes e comentando as pirações das cabeças femininas sobre a forma física e tantas outras coisas. Em certo momento, a turma dividida, eu conversando com Carla e Ibraim enquanto Paulo conversava com Ricardo e... algo me chamou atenção na conversa deles dois. _ Rapaz, você viu a transformação da Suzana, aquela cliente que operou na clinica de Ipanema no mês passado? Fez lipo total, colocou 250 Gr em cada mama, reaproveitou parte da gordura do abdome e injetou nas nádegas. Voltou para uma revisão e eu fiquei de queixo caído, a mulher...

Literatura – na vida e na clínica*

Relação continuada que sobrevoa ideias complexas e aterrissa em sensações, a nossa e a dos livros. Quem já não capturou ou se deixou capturar pelas emoções, até dos jargões neles contidos. Galeano, no enfrentar silêncios para recuperar o não dito, é danado. Ele nos faz reverberar em outro plano, flexibiliza o fadado. Momento do devaneio poético, diria Bachelard. De tanto concentrar para ordenar imagens - como plantas, necessitam de terra e de céu - o imagético enlaça o simbólico e encontra novos imaginários. Jung, Campbell... O escarcéu. Utopia... Por intermédio dos livros exercitamos maneira nata, em seus mais diversos gêneros, de enxergar a nós mesmos e até manejar circunstância que mata. Distopia... As pessoas no Pessoa acordam outras em nós. Qual a sintonia... Termos agendados no intelecto partejando ideias... Ressignifica e marca autogenia. Navegar Camões nos arrebata. Ora pela tormenta que clama por sonhos. Ora pela calmaria que suspende a vida que a nós se ata. Clari...

Uma leitura do mundo*

Concordo integralmente com o modo como Hans-Georg Gadamer entende a linguagem: "A linguagem não é um dos meios pelos quais a consciência se comunica com o mundo. (...) A linguagem não é nenhum instrumento, nenhuma ferramenta. Pois uma das características essenciais do instrumento é dominarmos seu uso, e isso significa que lançamos mão e nos desfazemos dele assim que prestou seu serviço. Não acontece o mesmo quando pronunciamos as palavras disponíveis de um idioma e depois de utilizadas deixamos que retornem ao vocabulário comum de que dispomos. Esse tipo de analogia é falso porque jamais nos encontramos como consciência diante do mundo para num estado desprovido de linguagem lançarmos mão do entendimento. Pelo contrário, em todo conhecimento de nós mesmos e do mundo, sempre já fomos tomados pela nossa própria linguagem. É aprendendo a falar que crescemos, conhecemos o mundo, conhecemos as pessoas e por fim conhecemos a nós próprios. Aprender a falar não significa ser introduzido...

A Filosofia Clínica e o robô de escuta***

O site: www.mittechreview.com.br publicou em janeiro/2022: “Terapeutas podem usar Inteligência Artificial para melhorar os resultados das terapias”. O artigo foi assinado pelo: MIT- technology review.   Inicialmente a proposta é de auxílio ao trabalho clínico do profissional da área PSI. Trata-se de uma pesquisa para saber como a terapia funciona. Uma verificação das linguagens utilizadas na hora clínica. Segundo o artigo: “busca identificar as expressões e devolutivas de resposta mais eficazes no tratamento de diferentes distúrbios”. Oferece uma “automação dos princípios ativos da terapia”. O projeto se desenvolve em universidades como: Washington e Pensilvânia (EUA), numa parceria da IA – inteligência artificial com a psicologia. Diz assim: “Busca-se desvendar os segredos de porque alguns terapeutas obtêm melhores resultados que outros (...) a tecnologia funciona semelhante a um algoritmo de análise de sentimentos”. Prossegue afirmando: “a IA converte a linguagem de uma sess...

Notas de Lisboa*

“O vento, enfim, parou Já mal o vejo por sobre o Tejo E já tudo pode ser tudo aquilo que parece Na Lisboa que amanhece” (Sergio Godinho)   “Vejo esta cidade parada no tempo deve ser saudade a vista que invento” (Pedro Ayres Magalhães – Lisboa Rainha do Mar – Madredeus)   Se eu pudesse levar uma trilha sonora para onde quer que fosse, escutar, ver o mundo por dentro, entranhas fincadas na memória, à maneira de um passante, errante, dono do seu devaneio. À toa o Ser. Um desavisado, já dizia Bergson, em outro canto da vida: o passado expandindo-se no seu presente, permanecendo tão atual, a ação, movimentos dos corpos por noites em Lisboa. E, por dentro, lá se vai manhã que acorda os sonhadores depois da luz, bem antes da salvação dos navios mercantes, sanguinários. Ter o espaço imaginário, as frestas da vida, entre o contínuo movimento, longa viagem do corpo, renasce, tempo penetra, entre lágrimas e riso, lá do alto dos afagos noturnos da cidade que abraça e beija os sonhadores. ...

Resenha Crítica*

"Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável ".  Ed. Sulina. Porto Alegre/RS. 2012, 142 p.   Editora Sulina | Editora Meridional | Página Inicial   Num estilo que dança por entre “a ilusão da realidade e a realidade da ilusão” o professor e filósofo clínico Hélio Strassburger compartilha com seus leitores suas experiências, vivências e desavenças em seu caminhar como filósofo clínico. Como um passeio pelos recônditos espaços da mente humana o autor nos presenteia com 28 pérolas que ainda imperfeitas na medida em que se constroem na busca pelo direito de serem únicas, singulares e livres das tipologias e semelhanças que mergulham o filósofo clínico num “sobrevoo que não aterrissa”. O livro nos conduz pelos labirintos da relação entre o filósofo clínico e seu partilhante onde a interseção clínica ganha a forma de sentido para o partilhante à medida que seus ainda não traduzidos e interditados conteúdos ganham vida para o filósofo clínico. O livro vai a...

A história de cada um*

Manter a terapia em dia é uma salvação de si mesmo! Pois quem mantém a terapia em dia, cresce continuamente em autoconhecimento e qualidade de vida. Quem mantém a terapia em dia, inevitavelmente vai se tornando mais empático e solidário pelo menos até espantar-se positivamente com o fato de que mesmo sem querer já se tornou uma pessoa muito mais justa.  Quem mantém a terapia em dia pode superar a ilusão de que o mundo deve girar a sua volta e que todas as pessoas que o cercam devem estar sempre prontas para servi-lo independente de reciprocidade ou de respeito mútuo. Quem mantém a terapia em dia, supera egoísmos, uma vez que vai se tornando cada vez menos inconsequente e desonesto consigo mesmo e com os outros. Quem mantém a terapia em dia pode ficar cada vez mais sábio e curiosamente seletivo na medida em que potencializa a própria capacidade de lidar com os desafios da sua jornada existencial. Quem mantém a terapia em dia, vai compreendendo que toda escolha gera uma consequência ...

Somos Forrest Gump?*

Quando vemos o filme 'Forrest Gump', tendemos a nos colocar no lugar de quem viu o que "realmente" aconteceu e a narrativa do personagem principal, que dá nome ao filme, como quem viu algo de modo limitado. É como se nós tivéssemos uma visão privilegiada e, o outro, uma percepção limitada. A noção de que acessamos a "realidade" com "objetividade" pode trazer uma noção do outro como quem tem uma visão limitada pela inteligência, sentimentos, pontos cegos etc. No entanto, de certo modo, somos como o Forrest Gump. Nossa percepção do mundo é uma perspectiva. Tendemos a acreditar piamente no que nossos olhos e lembranças nos dizem sobre um acontecimento ou experiência. E não estamos errados. Pois é essa percepção ou visão de mundo que norteia nossa vida. Por isso, no consultório, não buscamos necessariamente o que aconteceu, mas como a pessoa vivenciou, interpretou, significou etc. o ocorrido. Pois não é a objetividade que marca a experiência que direci...

A escuta compreensiva na clínica filosófica*

Ao iniciar essa análise faço um convite a você, caro leitor. Partirmos da noção de singularidade como pressuposto para que possamos, juntos, seguir no progresso deste estudo. De maneira breve a singularidade, na Filosofia Clínica, é um conjunto de fenômenos que compõem o partilhante e sua medida de relação e interseção com o mundo interno, externo e, também, com outras pessoas. O esperado é que o Filósofo Clínico mantenha- se despido de seu juízo e valor pessoal. Por sua vez, essa atitude propicia um ambiente onde aquele que compartilha sua história pode ser conhecido através de seus próprios critérios. A escuta realizada na prática terapêutica prevê a literalidade, ou seja, aquilo que é dito deve ser compreendido e não interpretado. O ser humano singular é o mar por onde o filósofo clínico navega. É dentro das condições apresentadas por este mar que se manifesta a Filosofia Clínica. Articulando os elementos citados acima cria-se uma atmosfera que protege o partilhante. Constitui-se o ...

Percepções e reflexões em Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica tem um jeito próprio de pensar, diferente. Traz para a terapia o olhar, os modos de compreensão e de entendimento das tradições filosóficas ocidentais. A sua originalidade é colocar como central a ideia de singularidade, que cada pessoa é diferente de cada uma das outras. Não há uma noção de ser humano a priori, pré-estabelecida. Cada um virá do seu modo e será recebido com o que lhe é próprio, em suas tonalidades afetivas, com aquilo que tem feito em sua história, nas circunstâncias de sua vida. Com sua loucura, suas maneiras de lidar com o mundo, com a existência, com os outros, consigo. Não trabalha com a noção de doença, nem com tipologias psicopatológicas. O que não quer dizer que não reconheça e trate dos fenômenos da depressão ou de comportamentos tidos como bipolares. Ansiedade, angústias, tédio e tantas outras formas de viver, de sofrer, fazem parte daquilo que se cuida em Filosofia Clínica. Cada vida pode ser vista como um fluxo de emoções, afetos e pensam...

O que a Filosofia Clínica, não é?***

Não tendo pretensão de definir um conceito sobre o que é a Filosofia Clínica (F.C.), mas antes convidá-lo a refletirmos sobre alguns aspectos daquilo que ela não é, me apresento: Sou Ancile, habilitada à pesquisa em F.C. e Graduada em Psicologia. Atuo com psicoterapia de inspiração existencialista há 12 anos. Se no Novo Paradigma ainda me sinto como uma criança sendo alfabetizada, na área psi posso dizer que já concluí as “séries iniciais” e me sinto segura para propor a tentativa de traçarmos um paralelo no sentido de ressaltar as diferenças essenciais de cada área. Trago algumas características metodológicas das 3 grandes áreas  psis , Psicologia, Psicanálise e Psiquiatria, suas diferenças entre si e em relação à Filosofia Clínica. Começando pela Psicologia, fundada em 1879 por Wilhelm Wundt (1832-1920), a partir da criação do Laboratório de Psicologia Experimental na Universidade de Leipzig, Alemanha. São muitas escolas de pensamento desde então, com variadas teorias que buscam,...

Outono*

Os soluços finos Dos violinos De outono Ferem minha alma Com a lânguida e calma monotonia do sono. Paul Verlaine (tradução de Juremir Machado da Silva)   Meu amor é uma flor perdida na escuridão, eu sei de tudo e nada disse que sei nada sobre a vida. Chegada a hora de me manifestar, a razão anda perdida, os fanáticos percorrem os corpos. Eles são o fundamento desta pobreza de espírito, ainda ando devagar, quase correndo, e a fronteira é parte da vida. Devo ir adiante sem olhar para trás, devo ir avante remoendo a linguagem, desopilando o espírito? Tenho que escutar a sabedoria do velho sentado à beira da estrada, logo em frente a um bar, cuja placa deixa claro aos viajantes: “Atendemos só os filhos de Deus”. O velho olha-me e diz que não é para levar a sério, que entre e compre o que bem quiser, pois o filho dele é só um fanático, não entende nada da vida, só dizer que é o que ele quer que seja, que eu compre e caia fora. Antes que ele percebesse já tinha partido e o velho me comen...

‌‌Deslocamentos de autogenia e novo paradigma***

  Um belo dia ela saiu de casa determinada a ser algo mais, além de mãe. Seu amor insistia, agendava, incentivava que ela tinha um talento para a arte. Buscou a filosofia clínica para ensaiar-se. Na época os atendimentos aconteciam de modo presencial, na Cidade Baixa, Porto Alegre. Em clínica ela entendeu que a paixão dominante podia sair para dançar. Convidou a busca, a semiose e a expressividade e começaram a experimentar. Uma dança aqui, outra ali, bem aos poucos porque o papel existencial de mãe lhe tomava por inteiro, em uma dedicação admirável, prisioneira, estruturante. Respeitamos seu tempo, “sempre tem o momento certo”. Sim, ela dizia acreditar que “sempre tem o momento certo para as coisas”. Uma axiologia a assimilar o tempo, tomar fôlego, recuperar as forças perdidas nos agendamentos infortúnios das relações familiares. Quando pequena lhe tiraram a tela e a tinta das mãos, foi formando ali a artista que é. Seguimos cuidando de o que acha de si mesma. Com a ajuda da pai...